Estilos de parentalidade na adoção. Quais são e qual o mais indicado. Como reverter o clima inibidor, inerente à realidade da criança adotiva. Por Luciano Gamez, psicólogo, professor e pesquisador.
Ao nascer uma criança, nasce um pai e uma mãe. Existe um processo intrínseco, que mobiliza o pai internalizado de cada um. E às vezes, o modelo que temos não é necessariamente bom.
Como filho, nem sempre aprovamos a forma como fomos criados e, não raro, questionamos e prometemos não repetir esse modelo. Mas a verdade é que, sem percebermos, o incorporamos inconscientemente. Esse modus operandi vem à tona no momento da paternidade/ maternidade. E é preciso aceitar esse papel e ter consciência para poder agir de forma diferente com nossos filhos, sobretudo durante os primeiros anos da infância, um dos períodos mais importantes para o desenvolvimento humano.
Estudos mostram que uma porção significativa de nosso intelecto se desenvolve durante o primeiro ano de vida. Se as crianças não experimentarem um ambiente benéfico, elas terão perdido importantes oportunidades de desenvolvimento sadio.
Segundo a psicologia, existem vários estilos de parentalidade: o autoritário, o permissivo, o super protetor e o democrático. Normalmente, os estilos da família não são iguais, gerando conflitos. Isso independe da criança ser adotiva ou não.
No estilo autoritário a criança obedece por medo. Como consequência, vai resolver as coisas com base na agressividade. Não há escuta e a criança se torna automaticamente autoritária. Bater, punir, xingar, humilhar e ameaçar são padrões de comportamento de um estilo autoritário, que pode envolver o uso da violência e da força física (castigo físico), força econômica (chantagem financeira/ameaça) ou força emocional (deixar de demonstrar afeto).
Ao contrário, no permissivo, a criança “deita e rola” e a autoridade é invertida (vem da criança para os pais). Igualmente, as crianças podem exercer da força física, emocional e verbal sobre seus pais para que eles satisfaçam suas vontades. Os pais, por sua vez, não sabem dar limites, são impotentes e as crianças tornam-se adultos que não aceitam o não como resposta.
Os pais de estilo super protetor não deixam a criança “correr”, tiram sua capacidade de aprender habilidades apropriadas para sua idade, criam uma criança que não assume responsabilidades. Como consequência, esta criança poderá tornar-se um adulto difícil de lidar, um filho dependente de seus pais, que não enfrenta o mundo, é pouco autoconfiante.
Por fim, pais de estilo democrático conversam muito com seus filhos e fazem com que a criança entenda e respeite os limites. Baseiam-se numa relação positiva buscando o respeito mútuo. Fazem com que a criança perceba que suas ações têm consequência. Mostram quais emoções sentem como resultado do seu comportamento. Quando há um problema, tentam uma conciliação. É considerado pela psicologia o modelo mais assertivo.
No caso de pais adotivos, dificilmente eles têm noção do que vão enfrentar, além das questões intrínsecas à educação. E isso às vezes traz angústias, geralmente mobilizadas em função desses estilos. Uma boa dica é entender quais são os próprios limites e entender qual é a estrutura de personalidade da criança.
A formação de personalidade da criança e, consequentemente do adulto que ela se tornará, é baseada, entre outras coisas, no estilo de parentalidade. As crianças captam os climas facilitadores ou inibidores, desde a vida intra-uterina. Mas é principalmente nos três primeiros anos de vida que as vivências desses climas irão determinar o modelo mental e de personalidade de cada um.
CLIMA INIBIDOR X CLIMA FACILITADOR
Uma mãe que não teve um sentimento acolhedor, que rejeitou a criança, como é a maioria dos casos de adoção, passa para a criança uma sensação de insegurança, de falta de proteção. Trata-se de um clima inibidor.
No clima facilitador, existe acolhimento, amparo, proteção. No inibidor, medo, desconfiança, receio e agressividade. Importante saber que esses climas vão interferir, lá na frente, na personalidade e identidade (jeitão da pessoa).
Quando a criança vive um clima inibidor de hostilidade e rejeição no período intrauterino (o feto não foi aceito e nem acolhido pela mãe), já nasce com um núcleo esquizoide – que pode não ser acionado se o clima da família adotiva for facilitador. A sensação de não acolhimento, de ameaça de ser destruído, produzirá como correspondência psíquica uma sensação de não pertencer. Isso provoca uma cisão do eu, pois ao mesmo tempo em que a criança está captando os climas afetivos e interagindo com sua nova família, ela tem uma sensação cenestésica (dada ao nascer) de não pertencer ao ambiente.
Dos 0 aos 3 meses, a vivência de clima inibidor como abandono, rejeição, medo, hostilidade, ansiedade e sofrimento, interfere no núcleo da satisfação ligado ao ato de receber. Por não ter sido amada ou protegida pela mãe enquanto bebezinha, a criança tentará descontar essa dívida nos outros e no mundo. Por essa razão, é comum entre os adotivos um comportamento de insatisfação muito grande, além da dificuldade de aceitar as coisas, exacerbando a percepção de que “o mundo me deve”.
Entre os 3 e 8 meses de idade, a vivência de um clima inibidor de opressão, limitação e dominação afeta o núcleo da comunicação, expressão, elaboração e criação. O resultado é um adulto que não se coloca adequadamente no mundo, está sempre entupido nas suas comunicações. Passa a agir como vítima, onde o mundo e os outros estão na posição de carrasco e o boicotam permanentemente. Na maioria das vezes vive se justificando ou acusando o outro por suas falhas. Gera uma pessoa com dificuldade de se auto-avaliar, que não se percebe, acusando sempre os outros pelos seus insucessos.
A fase dos 8 meses aos 3,5 anos está relacionada com noções de planejamento, controle e decisão e execução das decisões no ambiente. O clima inibidor de contenção, proibição e punição gera uma pessoa com dificuldade de tomar decisão, em dizer não – quer controlar a situação, mas acaba assumindo a situação para si mesma. Gera pessoas com uma atitude de permanente avaliação e comparação entre ele e os outros, tendo a si próprio como referência. São pessoas que conversam consigo mesma frequentemente, formulando grandes diálogos mentais, e que estão sempre cobrando do outro que seja sistemático e organizado. Existe uma sensação de estar sobrecarregado, de ser vítima e “carregar o mundo nas costas”.
A partir dos 3,5 anos, a criança incorpora os modelos que ela gosta, para formar sua estrutura mental. Ela procura suas identificações. Nesta fase, os estímulos são fundamentais para ela formar sua identidade.
No caso da adoção, dependendo da idade em que a criança chega, ela já vem naturalmente com uma estrutura pronta, com histórico de vivência de diversos tipos de climas inibidores gerados pela rejeição. Isso sem contar os efeitos da má alimentação, alcoolismo materno, desnutrição, drogas etc. Se os cuidadores forem facilitadores, isso pode ser consideravelmente atenuado.
A verdade é que, ao adotar, recebemos um pacote do qual não temos muito conhecimento, uma “caixa de surpresas”. A personalidade já traz esse núcleo. Fica uma cicatriz mnemônica (na memória), segundo a neurologia.
Em resumo, para uma criança adotiva é fundamental promover um clima de total acolhimento, para suprir as deficiências pelo clima inibidor em que foi gerada ou criada em seus primeiros anos de idade. A ciência comprovou que na primeira infância, até os 6 anos, a criança estabelece o máximo das conexões cerebrais ao longo da vida. Ela absorve e está aprendendo o tempo todo. Muitos dos traumas são originários desse período.
Na adoção, o modelo facilitador é fundamental com os cuidadores, a família, a escola e até nas políticas públicas. A escola tem que ser essencialmente acolhedora para uma criança adotiva.
Luciano Gamez, pai do Artur, adotado ainda bebê, é psicólogo pela Universidade de Lisboa, com mestrado e doutorado em Engenharia de Produção. Trabalha há 20 anos com educação à distância e recentemente tornou-se analista psicodramático pela Escola Paulista de Psicodrama, de onde fundamenta alguns conceitos aqui tratados. Faz pesquisas no Departamento de Psiquiatria da Unidade da Primeira Infância e Adolescência da Unifesp.
Foto: Filhosofia